19 de outubro de 2014

Ladrão de horas

Quem roubou a meia-noite?
Quem furtou as horas dos amantes,
Usurpou os sonhos dos poetas
E fez cal do orvalho distante?
Era meia-noite e meia
A hora marcada por você
Para me dar uma madrugada,
Mas já não há mais como.
A noite a tudo envolveu.
Em seu silêncio, espreita
Algo faminto por minutos
E momentos que não vivemos.

12 de julho de 2014

ESPELHOS E FUMAÇA

Observo esse xadrez de partida tão antiga
Sem saber se os blocos negros ganham o jogo.
Já não entendo a mensagem das torres de marfim,
Sem ouvir o que não pôde ser escrito.

Entre espelhos e fumaça, não distinguo contornos
Dessas peças que tento em vão encaixar.
Vejo reis, sem enxergar os jogadores,
Que se oferecem para logo desferir o golpe fatal,
Com um cavalo esquecido ou aquele bispo distante.

Afinal, nunca foram apenas dois nesse jogo
E até as rainhas - de ambos os lados -
Se movem como que por vontade própria
(Ou ficam imóveis), mas são impulsionadas
Por motivos e forças desconhecidas:
Tradição, dívidas ou luxúria insaciável.

Por trás de espelhos e fumaça, estão as sombras
Onde se esconde quem transformou a vida
Nesse xadrez estampado nas páginas dos jornais,
Em livros de história, falências generalizadas,
Revoluções frágeis, guerras longínquas
E armas de destruição em massa.

Não nos deixam reconhecer os corpos
Refletidos nas vidraças quebradas.
Não é possível apurar fatos apagados
Pelo fogo a destruir sobrados do passado.
A verdade se perdeu nesse labirinto
De espelhos encobertos por fumaça.

Para achar algum sentido nesse xadrez sem fim
É preciso olhar fundo nos olhos do seu reflexo
E ver a única fronteira em jogo nessa batalha
Tão repetitiva: a liberdade da sua mente.

As pedras não têm mais cores por baixo da fuligem.
Os movimentos - à direita ou esquerda -
Já não levam na mesma direção que apontam.
Mentiras invertidas se tornaram a regra
E só nos restou assistir a mais um jogo
Através de espelhos (de plasma) e fumaça (das bombas).

Quando tomba um rei sobre o tabuleiro,
Outro déspota logo vem para tomar o trono,
Mas os blocos negros e os peões brancos
São dois lados da mesma moeda, opostos complementares.
Quando saem de suas casas para vencer o inimigo,
Não sabem quais vitórias suas ações -
Contorcidas em espelhos e veladas por fumaça -
Irão por fim engendrar.

Deixo essa disputa para bispos negros
E os quatro cavaleiros - até o fim do mundo...
Que todas as peças caiam, os espelhos se quebrem
E a fumaça se dissipe diante nossos olhos!